A
Internet na Educação
Entrevista
para o portal Educacional
José Manuel Moran
Doutor em Comunicação pela USP
Professor da
Universidade Bandeirante e das Faculdades Sumaré-SP
"A Internet nos ajuda, mas ela
sozinha não dá conta da complexidade do aprender"
A afirmação é do professor José Manuel
Moran. Ele fala sobre o uso da Internet na educação, fundamentado seu
pensamento na "interação humana", de forma colaborativa, entre alunos
e professores.
José Manuel Moran é um dos maiores
especialistas brasileiros no uso da Internet em sala de aula. Por isso, não se
espere dele o deslumbramento do marinheiro de primeira viagem. Timoneiro
experiente, ele conduz o barco devagar. Para o educador que acessa a rede pela
primeira vez, ele adverte que nem sempre a maré está para peixe. "A
Internet nos ajuda, mas ela sozinha não dá conta da complexidade do aprender
hoje, da troca, do estudo em grupo, da leitura, do estudo em campo com
experiências reais". A tecnologia é tão-somente um "grande
apoio", uma âncora, indispensável à embarcação, mas não é ela que a faz
flutuar ou evita o naufrágio. "A Internet traz saídas e levanta problemas,
como por exemplo, saber de que maneira gerenciar essa grande quantidade de
informação com qualidade", insiste.
A questão fundamental prevalece sendo
"interação humana", de forma colaborativa, entre alunos e
professores. Continua a caber ao professor dois papéis: "ajudar na
aprendizagem de conteúdos e ser um elo para uma compreensão maior da
vida". Se o horizonte é o mesmo, os ventos mudaram de direção. É preciso
ajustar as velas e olhar mais uma vez a bússola. E José Manuel Moran foi traçar
rotas em mares nunca dantes navegados. A novidade é que "hoje temos a
possibilidade de os alunos participarem de ambientes virtuais de
aprendizagem". O grande desafio é "motivá-los a continuar aprendendo
quando não estão em sala de aula".
Os educadores que não quiserem se
lançar ao mar, muito apegados à terra firme, poderão ficar a ver navios. Mas
não há mais porto seguro: o oceano de informações que a Internet disponibiliza
aos alunos obrigará os professores a se atualizar constantemente e a se
preparar para lidar com as múltiplas interpretações da realidade. Espanhol que
atracou no Brasil, Moran abandonou por alguns momentos sua tripulação do curso
de Rádio e Televisão da Escola de Comunicações e Artes da USP e nos concedeu
esta entrevista.
O
senhor diz que não se deve esperar soluções mágicas da Internet. Que
expectativas devemos ter das novas tecnologias na educação?
Prof.
José Manuel Moran - Nós esperamos que a tecnologia —
teoricamente mais participativa, por permitir a interação — faça as mudanças
acontecerem automaticamente. Esse é um equívoco: ela pode ser apenas a extensão
de um modelo tradicional. A tecnologia sozinha não garante a comunicação de
duas vias, a participação real. O importante é mudar o modelo de educação
porque aí, sim, as tecnologias podem servir-nos como apoio para um maior
intercâmbio, trocas pessoais, em situações presenciais ou virtuais. Para mim, a
tecnologia é um grande apoio de um projeto pedagógico que foca a aprendizagem
ligada à vida.
Apesar
de ser professor de novas tecnologias, o senhor acredita que, antes disso, há
uma mudança mais urgente a ser feita no modelo de educação. Qual seria essa
mudança?
Prof.
José Manuel Moran - O que estamos vendo é que formas de
educar com estrutura autoritária não resolvem as questões fundamentais. A
questão não é tecnológica, mas comunicacional. A tecnologia entra como um
apoio, mas o essencial é estabelecer relações de parceria na aprendizagem.
Aprende-se muito mais em uma relação baseada na confiança, em que alunos e
professores possam se expressar. Criar e gerenciar esse ambiente é muito mais
importante que definir tecnologias. Embora eu trabalhe com elas, noto que o
foco está na interação humana, presencial ou virtual. Preocupa-me muito a
dificuldade que temos em estabelecer relações participativas, porque todos nós
carregamos estruturas tremendamente autoritárias, sendo submissos ou
dominadores, e reproduzimos isso na escola. A cultura da imposição, do
controle, é talvez a barreira mais difícil de derrubar no processo pedagógico.
O
senhor faz uma distinção entre ensino e educação, esta última sendo a
integração do ensino com a vida. É evidente a maneira como as novas tecnologias
podem contribuir para o ensino. Mas como elas podem contribuir para a educação?
Prof.
José Manuel Moran - Quando falamos de ensino, focamos a
aprendizagem de alguns conteúdos. A educação é um processo muito mais integral,
que nos ocupa a vida toda, e não somente quando estamos na escola. E o
professor tem esses dois papéis: ajudar na aprendizagem de conteúdos e ser um
elo para uma compreensão maior da vida, de modo que encontremos formas de viver
que nos realizem e desenvolvam nossas capacidades. Isso não depende da
tecnologia, mas da atitude profunda do educador e do educando, de ambos
quererem aprender. A tecnologia pode ser útil para integrar tudo que eu observo
no mundo no dia-a-dia e para fazer disso objeto de reflexão. Ela me permite
fazer essa ponte, trazer os conteúdos de forma mais ágil e devolvê-los de novo
ao cotidiano, possibilitando a interação entre alunos, colegas e professores.
Uma
de suas experiências mais bem-sucedidas consiste em partilhar os resultados das
pesquisas escolares pela Internet. Que mudança isso provoca no rendimento dos
alunos?
Prof.
José Manuel Moran - É uma concepção do aprender de forma
cooperativa e não competitiva. A aprendizagem estava muito voltada só para
conseguir notas, ver quem chegava primeiro. Dentro dessa visão — que não se dá
apenas com a tecnologia, mas também na sala de aula comum —, a proposta é
colocar a interação na prática. Hoje temos a possibilidade de os alunos
participarem de ambientes virtuais de aprendizagem, tanto de uma forma simples,
publicando um trabalho em uma página, quanto criando debates, fóruns ou listas
de discussão por e-mail. Cada escola e cada professor, dependendo do número de
alunos que ele tenha ou da situação tecnológica em que se encontra, pode buscar
soluções mais adequadas. O importante é o foco, que o aluno e o professor sejam
estimulados a fazer parte de um espaço virtual de referência que disponibilize
o que é feito em sala de aula. Eu creio que essa área de visibilidade liberta a
sala de aula do espaço e do tempo físico. Porque depois, fora da aula, pode-se
encontrar um pouco do que foi dito pelo professor, o que foi feito pelos
alunos.
O
senhor afirma que as novas tecnologias exigem muito esforço dos professores e,
por outro lado, defende que "o aluno já está pronto para a Internet".
Em que aspectos o aluno estaria em vantagem em relação ao professor?
Prof.
José Manuel Moran - Ele é privilegiado na relação que
tem com a tecnologia. Ele aprende rapidamente a navegar, sabe trabalhar em
grupo e tem certa facilidade de produzir materiais audiovisuais. Por outro
lado, o aluno tem dificuldade de mudar aquele papel passivo, de executor de
tarefas, de devolvedor de informações. Na prática, acaba assumindo um papel
bastante passivo em relação às suas reais potencialidades. O aluno tem
capacidade de ir muito além, ele está pronto. Porém, a escola impõe modelos
autoritários, voltando ao começo, quando o professor controlava e o aluno
executava. E isso não o motiva. Por isso, a mudança mais séria deve vir mesmo
dos professores. O novo professor dialoga e aprende com o aluno. Isso pressupõe
uma certa humildade que nos custa como adultos a ter. Nós queremos ter a última
palavra.
Novamente
baseado em suas experiências em sala de aula, o senhor observa que muitas vezes
a navegação é mais sedutora que o trabalho de interpretação e concentração que
a pesquisa exige e o professor deve estar atento para evitar que os alunos
sejam muito dispersos em suas pesquisas. Isso significa que o professor terá,
diante da tecnologia, de reproduzir o modelo de controle a que o senhor se
opõe?
Prof.
José Manuel Moran - Essa é uma questão difícil de
resolver na prática. Muitos alunos estão numa fase da vida ainda de
deslumbramento, estão curiosos. Eles não têm organização e maturidade para se
concentrar em um só tema durante uma hora. Então eles abrem mil páginas ao
mesmo tempo, se deixam naturalmente seduzir por certos temas musicais ou
eróticos, conforme a sua idade. Esse conjunto de questões dificulta o trabalho
com um tema específico. Essa também não é uma questão meramente da tecnologia
ou do professor, mas da dificuldade de concentração diante de tantos estímulos.
Há
um paradoxo nessa questão. Há uma quantidade de informação quase inesgotável
acessível pela Internet. Por outro lado, quando se é confrontado com esse
volume de informação, há a tendência de dedicar menos tempo à análise pela
compulsão de navegar e descobrir novas páginas. Como se pode contornar isso?
Prof.
José Manuel Moran - Em primeiro lugar, reconhecendo que
há uma grande dificuldade. A Internet traz saídas e levanta problemas, como,
por exemplo, saber de que maneira gerenciar essa grande quantidade de
informação com qualidade e como encontrar no pouco tempo que temos em sala de
aula, ou na interação via Internet, algo que seja significativo, que não seja
somente lúdico. Porque o que interessa é se essa navegação me leva a uma
compreensão maior da realidade. Do ponto de vista metodológico, procuro um
equilíbrio: nem impor demais o processo, que amarra o aluno, nem deixar que as
coisas aconteçam a seu bel-prazer. Eu trabalho com dois momentos. No primeiro,
mais aberto, eu coloco um tema em discussão e o aluno procura a informação por si.
Depois de um certo tempo, passamos a partilhar o resultado das pesquisas,
focamos um determinado artigo ou outro material, para que não fique muito
disperso. Mas é importante que os alunos não atendam somente a uma determinação
prévia do professor. Creio que esse pode ser um caminho para minimizar a clara
tentação de dispersão na pesquisa via Internet. A Internet reforça a tendência
dispersiva que os alunos têm no cotidiano, quando eles ficam estudando e
ouvindo música, tudo ao mesmo tempo.
Outro
equilíbrio que o senhor considera difícil de alcançar é entre o deslumbramento
dos alunos pelas novas tecnologias e a resistência de alguns dos professores a
esses novos métodos de acesso à informação.
Prof.
José Manuel Moran - Eu percebo que as atitudes vão
mudando aos poucos, que já houve resistência maior. Mas há professores que
inconscientemente fazem o mínimo possível para utilizar a tecnologia, no máximo
usam o Word. Eles não usam técnicas de pesquisa ou de apresentação mais
avançadas em sala de aula, nem trabalham com criação de páginas. Então há uma
parte dos professores de escolas particulares que, mesmo tendo laboratórios e
acesso à Internet, resistem a métodos que não sejam tradicionais. Por outro
lado, há os que descobrem as novas mídias e esquecem uma série de formas que
podem ser interessantes em sala de aula, preferindo sempre jogar os alunos no
laboratório, como se fosse uma grande solução. A Internet nos ajuda, mas ela
sozinha não dá conta da complexidade do aprender hoje, da troca, do estudo em
grupo, da leitura, do estudo em campo com experiências reais. Equilibrar o
melhor do ensino presencial, o estarmos juntos, e o melhor do espaço virtual é
básico. Mas ninguém teve experiência até agora com o equilíbrio desses
ambientes. Antes aprendíamos juntos apenas em sala de aula, e o aluno tinha de
se virar para fazer suas atividades quando não estava na escola. Hoje podemos
aprender quando não estamos fisicamente juntos.
O
senhor atribui essa resistência ao fato de as novas tecnologias colocarem em
xeque a posição do professor como detentor do saber. O aluno pode facilmente
pesquisar algum tema e ver que há interpretações divergentes e que aquilo que o
professor fala pode não ser bem assim. O senhor sente esse receio nos professores
com os quais convive?
Prof.
José Manuel Moran - O professor, desde que surgiu o
livro, sempre teve um pouco de receio de que o aluno aprendesse outras versões
além da dele. Só que hoje você tem muitas outras formas de informações em
qualquer mídia, e a Internet agrava ainda mais a sensação de que o aluno pode
encontrar informações que o professor não tem. Para o professor inseguro, é uma
espécie de desafio encontrar uma prática que não seja a do controle. A tentação
desse tipo de professor é fechar em cima de uma única versão. O professor mais
maduro trabalha com múltiplas visões, tentando relativizar nosso conhecimento,
mostrando que estamos construindo algo que é provisório. A nossa visão agora é
esta: eu aprendo com o que o outro me traz. Essa visão é muito mais tranqüila.
É a aceitação de que eu não sou onipotente, que não tenho respostas para tudo,
não sou enciclopédia. Eu aprendo melhor reconhecendo a minha ignorância.
O
senhor insiste em seus textos na importância da maturidade do professor ao
lidar com a tecnologia. Quais são as experiências mais maduras que conhece de
uso da Internet em sala de aula?
Prof.
José Manuel Moran - Hoje há muitas escolas que estão
tentando encontrar saídas. O que a maior parte delas faz é colocar os alunos em
contato com a Internet em laboratórios e depois buscar atividades
principalmente entre grupos que não estão fisicamente juntos. No mundo inteiro
se trabalha com esse tipo de projeto. A etapa mais avançada, que começa agora
na minha opinião, é desenvolver o conceito de gerenciamento de aula, integrando
o que é feito pelos alunos quando estão juntos e fazendo com que o processo de
aprendizagem continue quando eles não estão mais juntos. Hoje há uma série de
programas de gerenciamento de ambientes virtuais que ajudam a trazer temas para
a sala de aula. No fundo, é uma página incrementada com ferramentas de chat e
de fórum em que os alunos vão colocar seus textos. Há uma série de softwares
como o Eureka, o First Class, o Web Ct e o Blackboard.
De
que forma o senhor utiliza esses ambientes virtuais mais integrados em seu
processo pedagógico?
Prof.
José Manuel Moran - Coordeno um curso de pós-graduação
semipresencial em que, em alguns momentos, nós nos encontramos e, em outros,
interagimos somente através da rede: apresentamos textos, discutimos questões.
Temos a relação de uma aula presencial para duas virtuais. É o desafio que
vamos enfrentar pelo menos no nível superior, fase em que os alunos não
precisam ir todos os dias à aula. O desafio é motivá-los a continuar aprendendo
quando não estão em sala de aula. Também estou coordenando programas de
educação a distância em São Paulo. Educar a distância, mas de uma forma em que
haja troca e não somente repasse de informação, que não seja somente colocar
conteúdo em uma página e depois cobrar uma atividade. Estimular o aluno a
aprender em ambientes virtuais é outro grande desafio pedagógico que temos
hoje. Haverá muita "picaretagem" de instituições que pensam que
educação a distância é uma forma de ganhar dinheiro.
O
que o senhor teria a dizer a um diretor de escola pública, carente de recursos
e com professores que nem sempre são os mais bem qualificados? Nessas
circunstâncias é mais indicado investir em tecnologia ou centrar-se na
capacitação de professores?
Prof.
José Manuel Moran - Eu acho que não podemos mais ficar
apenas nos lamuriando da falta de condições. É verdade que um diretor de escola
não pode fazer nada sozinho. Isso exige vontade e investimentos públicos nos três
níveis. Estou coordenando uma equipe que desenvolve um programa de educação a
distância na rede pública estadual de São Paulo para capacitar professores,
supervisores de ensino e pessoas que trabalham em Oficinas Pedagógicas (OTP).
São profissionais que estão mais em contato com novas tecnologias. Na verdade
estamos fazendo a capacitação em serviços a distância, juntando a Secretaria de
Educação e a Universidade de São Paulo, através de uma fundação chamada
Vanzolini, com o apoio do governo federal, do ProInfo.
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Vitor
Casimiro
Exclusivo para o Educacional